sexta-feira

HOME O DIÁRIO ARQUIVO ÁLBUNS CONTATO Post navigation← Post Anterior “CHEGUEI A QUASE TER MEDO DE ESCREVER DA MANEIRA QUE SEMPRE ESCREVI”, ANALISA LUCAS, SOBRE O POLÊMICO EP DA FRESNO

Fiquei surpreso e feliz quando ouvi Cemitério das Boas Intenções pela primeira vez. Não imaginava que a banda pudesse deixar tão cedo o apoio das gravadoras e muito menos que faria canções tão polemicas – e importantes.
Além de resenhar o disco no Diário de Palco, há alguns dias, enviei algumas perguntas para o Lucas. Algumas horas depois, as respostas chegaram. A velocidade e a intensidade com que as perguntas foram respondidas são proporcionais ao peso das novas músicas – que debatem sobre a “fé” das pessoas e coloca o ateísmo em debate.
Com vocês – muita gente que visita o Diário pela primeira vez – o que pensa Lucas Silveira sobre os novos rumos da Fresno.
Eu concordo quando você quanto a necessidade das pessoas em encontrar sua verdade própria e entendo a importância que a música tem em abrir a mente das pessoas. Você provavelmente já recebeu reações a favor e contra as músicas que falam sobre ateísmo. Como tem sido isso?Falo isso não só religiosamente, mas como em tudo quanto é âmbito, no que tange à nossa existência. O mundo que eu não escolhi para me rodear incita e causa a loucura, a barbárie, a ‘vontade de um dia jogar tudo para o ar’, então isso faz com que a grande maioria das pessoas procure por uma verdade pronta, planejada, inquestionável e infalível. Eu vejo muita gente nessa preguiça irritante, e me senti no direito de lhes dar um chacoalhão, para pelo menos pensar a respeito um pouco.
Muita gente pegou somente a frase ‘cadê seu Deus?’ e já saiu tacando pedra. Não foram as primeiras pedradas, nem as últimas. Outros já pegaram o resto do que é dito na letra e, mesmo não concordando comigo, o que é 100% normal, tiraram alguma mensagem para si. Eu poderia ficar contando aqui a origem de cada verso, mas isso inibiria a capacidade do ouvinte de tirar sua própria conclusão. Arte não se explica, se contempla, gosta ou desgosta. Mas “um coração não se faz com a mão” é mais ou menos a síntese do que eu penso sobre o que a música emo acabou virando. Destilar amor e ódio na ponta dos dedos e escrever com o coração algo que seja capaz comover as pessoas jamais foi uma “fórmula”. Isso é o ofício de uma arte, e arte não tem moderação/revisão/aprovação superior. Pelo menos, não é pra ter.
Fresno no show de lançamento do EP, no Hangar 110. Foto por Gustavo Vara
Fresno no show de lançamento do EP, no Hangar 110. Foto por Gustavo Vara
Crocodilla, A Gente Morre Sozinho e Não Vou Mais são músicas feitas há pouco ou já estavam encubadas esperando o momento de serem reveladas ao mundo? O Rick Bonadio e pessoas da Universal chegaram a ouvi-las?Não Vou Mais é uma música que eu e o Tavares escrevemos em conjunto para gravar numa primeira demo da Carox. Passou um tempo e eu fiz uma letra alternativa para ela, bem como a cara da Fresno 2012. Imaginei que casaria muito bem com as outras duas, bem como a regravação de Relato De Um Homem De Bom Coração.
Já cheguei ao ponto de quase ter medo de escrever da maneira que sempre escrevi, tamanha a nuvem negra de gente falando merda e apontando o dedo pra mim. Gente escrota, gente amarga que realmente se incomoda com a existência de um sorriso na cara de outro indivíduo. Foram muitos meses lidando com um sentimento interno que estava me constipando criativamente, e isso ainda estava sendo reforçado por um relacionamento que me fodia com a cabeça. 2011 foi um ano de libertação, de tudo quanto é tipo de amarra.
A Universal jamais foi um empecilho na nossa carreira, pois a nossa relação com eles, infelizmente, foi sempre bem indireta, sendo a Arsenal uma espécie de intermediário. Nossos discos já chegavam nas mãos deles pré-aprovados pela Arsenal, que era onde a briga acontecia. Lembro de ouvir lá de dentro que a música Cada Poça Dessa Rua… era horrível, chata e que deveria ser cortada dos shows. Esse tipo de tratamento com um artista que te dá uma porcentagem absurda de absolutamente tudo que ele ganha é algo que te mata de desgosto devagarinho. Por isso o repertório do EP é tão na cara, visceral e sincero. É porque não tem filtro. Sou eu e meus companheiros de banda deixando bem claro que aquilo é o que queremos fazer. E não falo de ser leve ou pesado, e sim livre.
Setlist da banda no Hangar 110, com as três novas músicas do EP
Setlist da banda no Hangar 110, com as três novas músicas do EP. Foto por Gustavo Vara
Em uma entrevista você também fala sobre buscar um equilibro entre a sua criação e a adaptação para o mercado. Como você vê o caminho da Fresno nessa corda bamba? Lançar um EP como este, com sonoridade e letras fortes foi um meio proposital de quebrar essa relação ou algo que foi se desenvolvendo e tomou esse caminho naturalmente?Quando as opções são ‘corda bamba’ e ‘chão’, a gente aprende rapidinho a se equilibrar. Eu me emociono quando a gente consegue fazer algo que tenha profundidade e, ao mesmo tempo, aquela simplicidade que acaba dialogando com uma massa muito maior de gente. Eu fiquei assim quando, após mudar uma canção dezenas de vezes, chegamos no que futuramente seria a canção Porto Alegre. Foi assim com Eu Sei, também. Músicas que são hits pra gente e pro público que nos ouve nas rádios, mas que foram feitas daquele jeito, ninguém as deixou assim. Crocodilia e Não Vou Mais são músicas em que as guitarras estão bem altas, mas que possuem uma estrutura tão “pop” quanto a de qualquer hit de rádio. A gente só não tá fazendo um trabalho de rádio agora com esse EP porque estamos reformulando a nossa equipe, montando o próprio escritório, o que é prioridade agora. E estamos felizes pra caramba com a repercussão absurda que as músicas tiveram na Internet.


Para este ano vocês prometem um DVD que já pretendem lançar há algum tempo. Pode adiantar alguma coisa? E sobre os próximos EPs? Vem mais dois este ano?Retomamos o projeto do DVD assim que nos desligamos da Arsenal, mas agora as reuniões começam todas de novo. Não queremos que seja simples, nem fácil de fazer. Estamos a uma altura das nossas vidas em que tudo precisa surpreender e causar um impacto tão grande no nosso público quanto o que esse EP causou, assim como foi o Revanche. Então é muita coisa que a gente tem que planejar e definir antes de sair falando como vai ser. Mas, sim, em paralelo a tudo isso, serão feitos mais dois EPs, que vão formar o nosso novo disco. Lançando as músicas aos poucos, o pública presta mais atenção em cada música.
Você crê que essa época “pop” foi fundamental para a Fresno de hoje ter cacife lançar algo mais pesado e poder se manter com força? Afinal, independente de com quem estejam, toda pessoa que “vive de banda” precisa receber pelo que faz – e no Brasil, quem faz música pesada, na maioria das vezes não tem essa condição.Entendo que tu não usou isso de maneira pejorativa, mas esse negócio de ‘época pop’ soa meio tipo aquelas pessoas, que, para elogiarem o nosso EP, fazem questão de dizer que tudo que foi feito nos outros 12 anos de banda não presta.
A gente, nossos fãs e nossas músicas amadureceram, mas eu ainda sou capaz de me emocionar ao ouvir uma música como Velha História, que eu fiz quando tinha uns 19 anos, ou quando empunho o violão para cantar uma letra ingênua como a de Se Algum Dia Eu Não Acordar, que eu fiz no ensino médio.
Redenção consiste na nossa fase “pop”, mas nos rendeu a faixa título, Milonga e Europa, músicas que a gente toca até hoje porque a gente as ama demais. Agora a gente tá crescentemente pesando a mão nos nossos sons, nos nossos shows, não somente porque a gente gosta disso, mas também porque o pessoal enlouquece de uma maneira muito assustadora quando a gente toca as músicas novas.
Essa energia nos deixa mais vivos, nos rejuvenesce o espírito e nos dá vontade de prosseguir. A gente tem nas mãos uma arma que é capaz de sublimar a tristeza, a minha e de todo mundo que me ouve com atenção. A gente canta a tragédia bem alto, que é pra ela ir pra bem longe de nós e nunca mais voltar.

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